segunda-feira, outubro 23, 2006

O Jornalismo ainda pode ser vertical?
- Artigo de Eugénio Costa Almeida

Até onde pode ir a liberdade de um jornalista? Essa começa a ser uma grande questão neste século. Ainda nos recordamos que dois jornalistas levaram à queda de um poderoso - e porque não afirmar, querido - presidente dos EUA, Richard Nixon: relembremos o caso Watergate. Relembram-se como dois jornalistas do Washington Post, conseguiram fazer que Nixon se demitisse.
Depois disso, o jornalismo sério nunca mais foi o mesmo. Os jornalistas deixaram de temer pela vida e puderam denunciar todos os podres que enviesavam na e pela sociedade. Parecia que, salvo nas sociedades hipócritas e ditatoriais, os jornalistas começavam a ser não olhados como párias e importunos indivíduos que só se metiam onde não eram chamados, mas tão só como a primeira linha contra o mal-estar e contra as duplicidades reinantes nas sociedades ditas livres e justas.

Puro erro. Relembremos Carlos Cardoso, cuja a morte será, uma vez mais recordada em 22 de Novembro. Morreu porque denunciava a corrupção reinante entre alguns dirigentes e pseudo-dirigentes moçambicanos. Uma morte ainda hoje não clarificada e que, pasme-se, aquele que está considerado como um dos autores deste ignóbil assassínio e que tem sempre negado a sua autoria, vem agora inocentar um dos eventuais autores morais do mesmo.

Se não é culpado como pode negar que a personalidade em questão também não é autor moral do crime. Um paradoxo a juntar a outros inexplicáveis e que levaram à morte daquele que Mia Couto considerou como um Homem que lutava pelos outros, pelos mais simples.

E que com a sua morte terá morrido "um pedaço do país, uma parte de todos nós".

Mas não é só em Moçambique que esta situação se põe. Vejamos um caso mais recente. Em Portugal, um dos seus melhores jornalistas, representante da LUSA em Canadá, foi pura e simplesmente demitido do seu cargo por ser incómodo. Fernando Cruz Gomes foi funcionário da LUSA durante 20 anos. Durante esse período defendeu sempre a isenção e o combate ao despotismo reinante, nomeadamente, a subserviência que reina entre alguns jornalistas "yes-men" do poder instituído.

Recusou, vezes sem conta, largar a sua "cátedra" "antes livre que subserviente" ao ponto de ter recusado o cargo de Director da LUSA proposto pelo Governo de Santana Lopes. Pois quando nada o fazia prever eis que o actual Governo - e não esqueçamos que o "dono" da LUSA é este Governo de Sócrates - decide mandá-lo para as agruras do desemprego.

E porquê? Talvez porque o Governo de Sócrates deseje que a verdade instituída seja preservada. E qual é? Muito simples. A verdade de querer criar um órgão que sirva as Comunidades lusófonas espalhadas pelos vários cantos do Mundo. Então não já existe a LUSA para esse fim? Ou será que a LUSA passa a ser o órgão cada vez mais difusor das não-realidades dos PALOP? Alguém viu, até hoje, alguma notícia que ponha em causa o status quo existente nos PALOP. Alguém viu algum artigo menos favorável à demissão do poder legitimado pelo voto popular na Guiné-Bissau?

Apontem-mo. Mas não. A verdade deste Governo passa pela colocação de personalidades em determinados lugares de relevo como a Caixa Geral de Depósitos para onde foi colocado um bancário que nunca terá sido mais que um "pequeno" director (e há muitos que nem chegam a Directores) e que por esse facto preferiu ser um membro do aparelho; o Tribunal de Contas para onde foi colocado um insigne Historiador; ou nas incontáveis reuniões entre a italiana ENI e o Governo para a questão GALP, esteja um advogado que, por acaso, até é uma relevante personalidade no aparelho socialista.

Ah! Na mesma GALP para onde foi um socialista cuja a gerência numa Câmara, onde esteve durante alguns anos, começa a ser questionada por casos menos claros. Não estão em causa as suas qualidades profissionais anteriores; mas parecem não estar, nem estão, vocacionadas para os novos cargos.

Que registos mostra a nova gerência da CGD? Quais os resultados da actual superintendência do Tribunal de Contas; os últimos relatórios apresentados reflectem, como veio rapidamente a terreiro defender-se um Ministro, a um assunto de Governos anteriores. E qual têm sido os resultados das conversações entre o Governo e a ENI ao ponto desta ameaçar fazer uma OPA sobre a GALP?

Parece que a competência neste casos - e, repito, nestes casos - está longe de ser a esperada. E por causa disso o Jornalismo perde um dos seus expoentes - por acaso até parece ser presidente da Associação Internacional de Jornalistas; interessante, não é? - que preferia manter a espinha erecta a submeter-se ao poder instituído.

Mas se o caso de Cruz Gomes é o mais actual e visível não é o único. Outros há que também começam a ver a sua vida profissional a ser posta em causa por trabalhos incómodos sobre questões tão prementes como a inoperância da CPLP, do Instituto Camões e da própria LUSA.

E, paradoxo dos paradoxos - ou talvez não - até estão em órgãos ditos independentes. Mas será que o são quando na sua compra esteve a mãozinha do actual Governo no despacho que deu o grupo comunicacional a uma entidade já detentora de outros órgãos informativos?

Como diria um insigne jornalista da nossa praça há muitos a confundirem "obra-prima do Mestre com a prima do mestre-de-obras" e enquanto assim for dificilmente Portugal poderá sair da mesma letargia e dificilmente conseguirá evitar cair no fosso do 4º Mundo. Até quando?

Nota: O autor deste artigo (também publicado no Jornal Frente Oeste) é Mestre em Relações Internacionais e Doutorando em Ciências Sociais

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