quinta-feira, novembro 23, 2006

Uma flor que só alguns sentem
(ou mukanda para os meus filhos)

Como é que se explica a um filho (no meu caso a três) que não conhece Angola, a razão porque, depois de 31 anos fora da minha terra, preciso dela todos os dias, sinto-a todos os dias, amo-a todos os dias, chamo-a para junto de mim todos os dias? Não se explica.

Por alguma razão, já lá vão os tais 31 anos, Jonas Savimbi me disse que Angola não se define – sente-se. Mas será possível aos meus filhos sentirem algo que não conhecem na alma? No coração conhecem… de tanto ouvirem o pai falar da melhor terra do mundo.

Este é, para mim, um exemplo que contraria o provérbio “longe da vista, longe do coração”. De olhos fechados vejo Angola e, por isso, ela não está longe do coração. Angola é o meu próprio coração, por muito que isso custe a quem não compreende que sentir é a melhor forma de ser digno.

Não sei se alguma vez poderei levar os meus filhos aos recantos e esquinas da minha cidade, de modo a deixá-los respirar o horizonte que cheira a infinito. Creio que seria a melhor forma de, sem palavras, explicar tudo. Explicar porque, nas madrugadas embevecidas pelo silêncio da pequenez portuguesa, respiro o choro de uma dor crónica.

Um dia, com ou sem o pai, eles acabarão por conhecer a minha (e também deles) terra. E nessa altura, mesmo sem saberem o sítio exacto onde deixei o cordão umbilical, vão respirar o silêncio, beber o infinito e dormir embalados pela certeza de que, afinal, o pai tinha razão quando chorava de saudade.

Terão, certamente nessa altura, uma lágrima no canto do olho. Uma lágrima que ao cair na terra quente de Angola fará nascer uma flor. Uma flor sem nome, uma daqueles flores que só alguns vêem, que só alguns sentem.

4 comentários:

Anónimo disse...

Não vale pôr um rio no canto do olho.
Chamam-me o que quiserem, mas tragam-me também uma rosa de porcelana; de certeza que ficará bem entre as duas bandeiras angolanas que tenho em cima da secretária...
Kandandu
Eugénio Almeida

Anónimo disse...

VOO

Parto...
parto sempre
e o meu corpo
fica.

Parto
e aqui,
preso à cidade
fica meu corpo
chorando-se no Tejo.

Parto
voando velas e gaivotas,
ao encontro
do azul,
ao encontro
do Sul.

Parto
e por vezes
nem volto.
E o meu corpo
fica...
Vai ficando
sempre e sempre
preso à vida.
Preso.

Parto,
mesmo sem corpo
mesmo sem vida,
mas parto,
desesperado
de voltar,
deseperado
de ficar.


Parto
todas as velas,
todas as asas,
todas as horas.

Parto
mesmo se o rio
é cinzento.

Parto,
parto sempre,
em direcção
ao azul,
ao sol.

Parto,
em direcção ao Sul...

Anónimo disse...

Não faz muito tempo referi que a nossa terra é algo que está enraizado no mais recôndito lugar do nosso EGO.
Estou absolutamente de acordo que a terra não se explica.Sente-se.
E Quem não sente não é filho de boa gente.
No Sentir é que está o segredo.

SM

Anónimo disse...

QUE DEUS PERMITA A ESSE PAI
CHORAR UM DIA
NA COMPANHIA DO FILHOS E ESPOSA
NESSAS TERRAS DE ANGOLA
E QUE NESSE DIA AS LÁGRIMAS SEJAM DE MUITA ALEGRIA E FELICIDADE
COMO EU GOSTARIA DE LÁ CHORAR LAGRIMAS DE ALEGRIA TAMBEM