quarta-feira, janeiro 02, 2008

O esquecido drama de Cabinda
- Ou dar voz a quem a não tem

Do meu ponto de vista, discutível como qualquer outro, todos os motivos são válidos para lutar contra o que penso ser uma injustiça. Cabinda é um dos casos. Dos muitos que por aí proliferam. O motivo de hoje é a foto que ilustra este texto. Trata-se de uma imagem dos Serviços Culturais da Embaixada de Angola, em Portugal, que não inclui Cabinda. Será sinal de alguma evolução?

Os cabindas continuam (e bem) a reivindicar, e desde 1975 fazem-no com armas na mão, a independência do seu território. No intervalo dos tiros, e antes disso de uma forma pacífica, nomeadamente quando Portugal anunciou, em 1974, o direito à independência dos territórios que ocupava, a população de Cabinda reafirma que o seu caso nada tem a ver com Angola. E não tem, na minha opinião.

Em termos históricos, que Portugal parece teimar em esquecer (por alguma razão está sempre ao lado dos que estão no poder, sejam ou não ditadores), Cabinda estava sob a «protecção colonial», à luz do Tratado de Simulambuco, pelo que o Direito Público Internacional lhe reconhece o direito à independência e, nunca, como aconteceu, à integração coerciva em Angola.

Relembre-se aos que não sabem e aos que sabem mas não querem saber, que Cabinda e Angola passaram para a esfera colonial portuguesa em circunstâncias muito diferentes, para além de serem mais as características (étnicas, sociais, culturais etc.) que afastam cabindas e angolanos do que as que os unem.

Acresce a separação física dos territórios e o facto de só em 1956, Portugal ter optado, por economia de meios, pela junção administrativa dos dois territórios.

Com perto de dez mil quilómetros quadrados, Cabinda é maior que S. Tomé e quase do tamanho da Gâmbia. Possui recursos naturais que lhe garantam, se independente, ser um dos países mais ricos do Continente, o que explica a prepotência de Luanda com, é claro, o apoio da comunidade internacional.

A nível agrícola, das pescas, pecuária e florestas tem grandes potencialidades mas, de facto, a sua maior riqueza está no subsolo: Petróleo, diamantes fosfatos e manganês.

A procura da independência data, no entanto, de 1956. Quatro anos depois da união administrativa com Angola, forma-se o Movimento de Libertação do Enclave de Cabinda (MLEC) e em 1963, dois anos depois do início da guerra em Angola, são criados o CAUNC - Comité de Acção da União Nacional dos Cabindas e o ALLIAMA - Aliança Maiombe.

A FLEC - Frente de Libertação do Enclave de Cabinda é fundada nesse mesmo ano, como resultado da fusão dos movimentos existentes e de forma a unir esforços que sensibilizassem Portugal para o desejo de independência.

Era seu líder Luís Ranque Franque.Alguns observadores referem, a este propósito, que o programa de acção da FLEC (elaborado na altura da junção de todos os movimentos cabindas) era nos aspectos político, económico, social e cultural muito superior aos dos seus congéneres angolanos, MPLA e UPA.

Cabinda, ao contrário do que se passou com Angola, foi «adquirida» por Portugal no fim do Século XIX, em função de três tratados: o de Chinfuma, a 29 de Setembro de 1883, o de Chicamba, a 20 de Dezembro de 1884 e o de Simulambuco, a 1 de Fevereiro de 1885, tendo este anulado e substituído os anteriores.

Recorde-se que estes tratados foram assinados numa altura em que, nem sempre de forma ortodoxa, as potências europeias tentavam consolidar as suas conquistas coloniais. A Acta de Berlim, assinada em 26 de Fevereiro de 1885, consagrou e reconheceu a validade do Tratado de Simulambuco.

No caso de Angola, a ocupação portuguesa remonta a 1482, altura em que Diogo Cão chega ao território. E, ao contrário do que se passou em Cabinda, a colonização portuguesa em Angola sempre teve sérias dificuldades e constantes confrontos com as populações, de que são exemplos marcantes, nos séculos XVII e XVIII, a resistência dos Bantos e sobretudo da tribo N´ Gola.

É ainda histórico o facto de a instalação dos portugueses em Angola ter sido feita pela força, sem enquadramento jurídico participado pelos indígenas, enquanto a de Cabinda se deu, de facto e de jure, com a celebração dos referidos tratados, subscritos pelas autoridades vigentes na potência colonial e no território a colonizar.

Segundo a letra e o espírito do Tratado de Simulambuco, assinado por príncipes, governadores e notáveis de Cabinda (e pacificamente aceite pelas populações), o território ficou «sob a protecção da Bandeira Portuguesa». Vinte cruzes e duas assinaturas de cabindas e a do comandante da corveta «Rainha de Portugal», Augusto Guilherme Capelo, selaram o acordo.

Duvida-se que a terminologia jurídica de então, e constante do tratado, tenha sido percebida pelos subscritores cabindas. No entanto, crê-se que a síntese do texto tenha sido entendida, já que se referia apenas à «manutenção da autoridade, integridade territorial e protecção».

No contexto histórico da época, o Tratado de Simulambuco reflecte tanto à luz do Direito Internacional como do interno português, algo semelhante ao dos protectorados franceses da Tunísia e de Marrocos.

Apesar da anexação administrativa, Cabinda sempre foi entendida por Portugal como um assunto e um território distintos de Angola. A própria Constituição Portuguesa, de 1933, cita no nº 2 do Artigo 1 (Garantias Fundamentais), Cabinda de forma específica e distinta de Angola.

Partindo desta realidade constitucional, a ligação administrativa registada em 1956 nunca foi entendida como uma fusão com Angola. Nunca foi, não é e nem poderá ser por muito que isso custe tanto ao MPLA como à UNITA, embora mais ao primeiro do que à segunda.

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