segunda-feira, fevereiro 11, 2008

Timor-Leste, Portugal e os antibióticos

Se é verdade que para os portugueses, mais para os que hoje não sabem se amanhã terão o que comer do que para os que se (re)pastam à grande e à francesa, Timor-Leste é uma paixão, não menos verdade é que – como paixão – ao estar longe da vista ficou longe do coração.

Quando o drama bate à porta de Timor, Portugal parece querer acordar e (re)acender a paixão. É sempre assim. Há tiros, morrem pessoas? Então é notícia. Então as televisões, as rádios, os jornais falam, falam, falam mas quase sempre não dizem nada.

Fazem-se análises políticas, geoestratégicas, macroeconómicas. Vão-se buscar os melhores especialistas que, por sinal, são sempre os mesmos e que – por serem tão bons – analisam tudo, seja a bitacaia do presidente angolano, as cheias em Moçambique, a ecologia no Burkina Faso ou a fotogenia de Barack Hussein Obama.

Portugal, tal como essa coisa que dá pelo nome de Comunidade de Países de Língua Portuguesa, não consegue inverter a sua tradicional e genética incapacidade para sair da cepa torta. Vai para onde os outros mandam, faz o que os outros mandam, curva-se quando os outros se curvam mas – infelizmente – não se endireita quando os outros já estão de pé. Daí a sua imagem de marca: um país de cócoras.

Timor-Leste merecia mais atenção de Portugal? Claro que sim. O que Portugal está a dar aos timorenses e nada é quase a mesma coisa. Eu explico. Não é, aliás, nada de novo. É algo que se passa em relação a outros países da Lusofonia.

Os timorenses ficaram gravemente doentes depois da razia dos indonésios. Ficaram e continuam. Portugal, acompanhado pela tradicional hipocrisia da comunidade internacional, entende que todos os males se curam com a independência. Ok. Tal como em Angola, viu-se, tem-se visto, continuar-se-á a ver que entre independente de barriga vazia e dependente com ela mais ou menos cheia… a escolha não é difícil.

Entretanto, perante a debilidade física dos timorenses, Portugal diagnosticou a enfermidade e concluiu que ela só se curaria com doses industriais de antibióticos. Vai daí, mandou vários contentores de medicamentos para Timor-Leste. Tempos depois a Lisboa chegou a notícia de que os timorenses continuavam a morrer.

“Não pode ser”, gritaram os Josés Sócrates das ocidentais praias lusitanas. E foram ver, in loco, o que se passava. Chegados a Díli descobriram que os antibióticos continuavam dentro dos contentores.

Foi então que um seculo (em Timor deve ter outro nome) se aproximou da delegação ministerial enviada por Lisboa e explicou tudo:

“É que os antibióticos são para tomar todos os dias depois das três refeições. Como nós aqui nem uma refeição por dia temos…”

1 comentário:

Pedagogos do Futuro disse...

Caríssimo Castro.
Portugal tem o DEVER de fazer muito mais por Timor. Não apenas por Timor, mas igualmente por todos os países lusófanos que foram largamente explorados por Portugal. Ora, reconhecer a Independência não basta. É preciso reconhecer que muita riqueza desses países foi expropriada pelos portugueses, incluindo, também, o maior dos bens que o ser humano anseia possuir: a liberdade. Ora, os minerais que foram extraídos das terras africanas; o trabalho escravo e aviltante que os africanos tiveram que praticar em benefício português; a limitação da liberdade e da intelectualidade e o sofrimento causado aos povos nativos da África deu a Portugal benefícios que garantiram a boa qualidade de vida da alta burguesia portuguesa. Quantos colares de ouro e de prata ornamentaram as damas em Lisboa? Quantos castelos foram construídos sob a exploração do trabalho escravo dos africanos? Hoje, Portugal devia se questionar: quanto DEVE ser feito por esses países para que possamos redimir todo o mal que lhes causamos?