quinta-feira, maio 15, 2008

A propósito do Acordo Ortográfico
- A força da razão e a razão da força

Renato Epifânio, da Direcção da Revista Nova Águia e do MIL: Movimento Internacional Lusófono, afirma que não o surpreende o "relativo sucesso da petição lançada contra o Acordo Ortográfico". A mim também não. Por alguma razão, ao contrário de Renato Epifânio, subscrevi essa petição que, penso, não é um “relativo sucesso”, mas um estrondoso sucesso.

Um manifesto que, apesar de lançado só no passado dia 2, conseguiu até agora mais de 33.000 assinaturas, não pode ser qualificado de relativo sucesso. Se fosse correcta a qualificação de Renato Epifânio, o que se deveria dizer da petição do MIL que, em dois meses, conseguiu 900 assinaturas?

Renato Epifânio alega, legitimamente, que “a maior parte das pessoas é pouco sensível a essa "visão estratégica", preocupando-se apenas com a "língua portuguesa" em particular – não com a Lusofonia como um todo”.

Será? Não creio. Há, pelo menos uma dúzia de anos, que muito boa gente que pugna pela Lusofonia e que tem dela uma “visão estratégica” e que, nesta matéria, está contra o Acordo Ortográfico. Gente que, reforce-se em abono da verdade, não chegou agora à Lusofonia e que por ela tem dado o que tem e o que não tem.

Renato Epifânio argumenta que os que são contra o Acordo «são indiferentes ao facto, totalmente absurdo, de, actualmente, nos fóruns internacionais, como na ONU, os documentos terem que ser traduzidos para "duas línguas": "a portuguesa" e "a brasileira"».

Creio que o director da Nova Águia está a confundir a estrada de Beira com a beira de estrada. É que, mesmo que o assunto se passe em importantes areópagos da política internacional como a ONU, o erro está no facto de se aceitar que há duas línguas e não, como seria correcto, apenas uma – o português.

Se assim não for, um dia destes (até pela força, também estratégica, do petróleo) ainda vamos ver os documentos da ONU a ser traduzidos em três línguas: “a portuguesa”, “a brasileira” e “a angolana”.

Querer, nesta como em qualquer outra questão, dizer que uma ditadura passa a democracia só porque tem do seu lado a maioria dos falantes, não me convence. Poderá ser uma batalha perdida, tal é a desproporção das forças. Que seja. Mas com luta. Até porque, nesta ou em qualquer outra matéria, só é derrotado quem deixa de lutar.

Renato Epifânio também argumenta que “há uma razão ainda mais prosaica para a maior parte das pessoas estar relutante em relação ao Acordo: quando este for finalmente implementado, as pessoas vão ter que "reciclar" o seu modo de escrever. Ora, isso dá trabalho. É muito mais "convincente" defender que tudo deve ficar na mesma…”.

Pela minha parte, se acaso estivesse na dúvida, teria neste último argumento uma forte razão para estar contra o Acordo Ortográfico. Essa de os que são contra serem uns parasitas, é de bradar aos céus e reveladora de que quando se perde a força da razão opta-se, como está nos manuais de quaquer ditadura, pela razão da força.

2 comentários:

de.puta.madre disse...

O mais caricato é que a ONU tem os dias contados.

Os senhores brasileiros que não tenham muitas ilusões.

Sacrificar a Língua pela ONU! A que propósito??

ONU é cada vez mais decoração pseudo-filantrópica à bolina dos caprichos dos EU. E cada vez mais é relativo o seu papel na resolução de conflitos. E cada vez mais é aquilo que é fachada. Será para isso que iremos ter uma Língua de Fachada também.

PS.: Esses senhores pró-acordo são uma espécie de Fammes-fateis desesperados pela fama e visibilidade que pelo seu mérito nunca se proporcionou dado os seus erros de escolher o "amiguinho certo".

Anónimo disse...

A Língua portuguesa está a passar por um período de implantação, quer nos países Africanos de Língua Portuguesa, quer em Timor Leste. Na Guiné-Bissau esteve até para ser adoptado o Francês como língua oficial e em Timor-Leste o Inglês. Daí será fácil concluir que a língua portuguesa nas nossas ex-colónias não ficou muito bem cimentada. Esses países já não são colónias portuguesas, são livres e tanto poderão seguir o português falado em Portugal, por 10 milhões de habitantes, como o português falado no Brasil, por 220 milhões.

Se Portugal teimar em não se aproximar da versão de português do Brasil sujeita-se a ficar só e, mesmo assim, não vai conseguir manter a pureza da língua porque ela evolui todos os dias, independentemente da questão que agora se nos põe: todos os dias há termos que caem em desuso e outros novos que são adoptados pela nossa língua, em especial termos ingleses que são adoptados sem quaisquer modificações.

Se não houver aproximações sucessivas ambas as versões do português continuarão a divergir e daqui a algumas gerações serão línguas completamente distintas. Será então a altura de Portugal confirmar que saiu a perder porque ficou agarrado a um tabu que não conseguiu ultrapassar.

O Brasil tem um impacto muito maior no mundo do que Portugal, dada a sua dimensão, população e poderio económico que em breve irá ter. O nosso português tem hoje algum peso muito em função dos novos países africanos PALOPs ) e de Timor Leste, mas ninguém garante que esses países não venham um dia a aproximar o seu português da versão brasileira e há até já alguns sinais nesse sentido. A população do Brasil permite altas tiragens das publicações que ficarão mais baratas e, se houver maior harmonização, as editoras portuguesas (e amanhã dos PALOPs ) poderão vender mais no Brasil.

Se Portugal permanecer imutável um dia poderá ficar só: a língua portuguesa de Portugal será então considerada uma respeitável língua antiga (o Grego é ainda mais), da qual derivou uma outra falada e escrita por centenas de milhões de habitantes neste planeta. O nosso orgulho ficar-se-á por aí e pronto!

Ambas as versões de português têm uma raiz comum e divergem há cerca de duzentos anos. Outros duzentos e já não nos entenderemos: terão que ser consideradas duas línguas distintas.

O acordo ortográfico é uma decisão apenas política e quanto aos linguistas, apenas terão que assimilar as alterações e segui-las. Não se poderá alterar por decreto que uma molécula de água passa a ter dois átomos de oxigénio e outros dois de hidrogénio; ou que 5 vezes 5 passa a ser 28. Mas poderá alterar-se por decreto a grafia de "acção" para "ação" e quem não aceitar a alteração passa a cometer um erro. Com todo o respeito, mas também não são os Juizes que legislam, apenas têm que interpretar e aplicar as leis.

Portugal nada ganhará de imediato com a alteração mas tem muito a perder no futuro se rejeitar agora o acordo que o Brasil está disposto a aceitar.

Ah! já agora, poderá e muito bem continuar a escrever "de facto" porque soletramos o "c". Apenas se eliminam as letras mudas. Neste caso passam a ser permitidas duas formas, pois no Brasil não pronunciam o "c" e por isso não o irão escrever.

Zé da Burra o Alentejano