quarta-feira, junho 10, 2009

Eduardo Agualusa e a Super Bock
ou Fernando Pessoa e a Sonangol

O ministro da Cultura português, António Pinto Ribeiro, disse hoje em Luanda à Agência Lusa que o empenho de Portugal no aprofundamento das relações económicas com Angola acaba por ajudar as relações bilaterais que existem na área da cultura.

Aliás, as boas relações entre Portugal e Angola, entre o PS e o MPLA, ajudam a fortalecer tudo o que interessa aos dois países, não sendo exactamente o mesmo que interessa aos dois povos. Mas isso é outra cantiga.

A importância económica que Angola ganhou para Portugal, não é, para o ministro da Cultura português, um entrave ao reforço das relações culturais porque “a língua é feita de contactos” e “quantos mais contactos existirem, independentemente das razões, mais se fortalece a cultura”.

Nem mais. Como todos sabem, as relações económicas e todas as outras que gravitam à sua volta nunca estiveram tão boas. Basta ver a fraternidade que existe entre os dirigentes quando se encontram nos areópagos da política ou nos hotéis de luxo.

“Sejam quais forem as razões porque os portugueses vêm a Angola ou angolanos vão a Portugal melhor. Quanto mais razões houver para ir e vir, melhor é para o aprofundamento das relações culturais”, disse o ministro do PS.

Não é bem para o “aprofundamento das relações culturais” como diz o ministro luso. Mas o que é que isso importa? Se calhar Pinto Ribeiro até tem razão. Cultura é tudo... o que interessa a quem manda. E como quem pode, manda...

Pinto Ribeiro defende mesmo que, sem o interesse económico, “não teríamos fundamento para tudo o se faz no âmbito do aprofundamento das relações culturais”. Ora aí está. Cultura é tudo o que o poder quiser, seja literatura ou petróleo, pintura ou cervejas, teatro ou construção civil.

“As relações culturais e humanas baseiam-se no interesse recíproco dos povos, seja da memória, da procura de coisas novas, criar espaços de liberdade, de criatividade e de destino”, adiantou, deixando claro que no seu entender o facto de Angola ser já o primeiro mercado de exportação para Portugal fora da União Europeia é um dado positivo para o aprofundamento das relações na área da cultura.

Esta coisa de misturar cultura com mercados de exportações não me parece a mais correcta. No entanto, reconheço, que os donos do poder, em Portugal e em Angola, tenham uma visão diferente. Por alguma razão eles são os donos, ou não é?


Pinto Ribeiro, sublinhando sempre a importância da língua nas relações entre os dois países, lembrou ainda que aquilo que Portugal “deixou no mundo de mais fecundo, de mais singular, foi a língua”.

Se calhar deixou outras coisas igualmente valiosas que, contudo, pouco servem hoje, tal é a avidez material de quem conjunga as relações entre povos na primeira pessoa do singular, esquecendo que o mais importante de tudo são, ou deveriam ser, as pessoas.

Mas como, tanto em Portugal como em Angola, as pessoas não são uma prioridade, o melhor é continuar a misturar Fernando Pessoa com a Sonangol ou José Eduardo Agualusa com a Super Bock.

Foto: Paulo Fehlauer/Folha Imagem

1 comentário:

Gil Gonçalves disse...

Cultura e interesses portugueses em Angola
Ainda ontem comentámos muito a surpresa que foi vermos dois contentores, daqueles dos muito grandes, pelas 22.00 horas a serem descarregados nas proximidades do GPL-Governo da Província de Luanda, numas instalações que eram da HOECHT, e agora transformados em armazéns, pertença ou alugados, a portugueses. A mercadoria era… toneladas industriais do tal uísque em saquinhos de plástico. Então pois claro… os negros são todos bêbados e atrasados. Isto é que é o genuíno saudosismo colonial.

Bom, esta trampa está tão podre que tem, vai rebentar. Os comentários que se ouvem sobre esta trampa incutem receio.

Quem procura acha!