sexta-feira, abril 02, 2010

Português? - Não. Kalashnikovês? - Sim

Uma das razões que me leva a discordar da entrada, entre outros países, da Guiné-Equatorial na Comunidade de Países de Língua... Portuguesa é o facto de esse país não falar... português.

Reconheço, contudo, que é um fraco argumento. Desde logo porque sendo a Guiné-Bissau um membro de pleno e total direito da CPLP, o seu ex, futuro, chefe da Armada, contra-almirante Bubo Na Tchuto, bem como o seu ex-vice e hoje chefe do Estado Maior das Forças Armadas, o general António Indjai, nem uma palavrinha sabem dizer em... português.

É, portanto, fácil concluir que a língua portuguesa não representa qualquer condição para se ser membro da CPLP. Devo, contudo, acrescentar que tanto Bubo Na Tchuto como António Indjai, entre muitos outros, falam uma outra língua internacionalmente, mas sobretudo em África, bem conhecida: o Kalashnikovês.

Pois é. Em vez de se potenciar a língua como o principal elo de ligação, como factor decisivo de todas as outras vertentes da sociedade globalizada, Portugal pensa que essa é uma vitória eterna. E não é. Nunca foi.

Nas comunidades de origem portuguesa, as novas gerações pouco ou nada falam português. Nos PALOP (Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa) assiste-se ao legítimo proliferar dos dialectos locais e ao galopante êxito do inglês. O Português tenderá (se nada for feito, se tudo continuar na mesma) a ser apenas uma língua residual.

Ao contrário do que fazem franceses e ingleses, os portugueses têm por hábito deixar para amanhã o que deveriam ter feito ontem.

Não existe, na língua como noutros sectores, uma conjugação estratégica de objectivos. Cada um rema para o seu lado e, é claro, assim o barco comum (a Lusofonia) não chega a nenhum porto. Há projectos sobrepostos, e muitas áreas onde ninguém chega. Ninguém não é verdade. Chegam os ingleses, os franceses, os norte-americanos e até os chineses.

A CPLP deveria ser o organismo que, por excelência, poderia divulgar a língua. Está, contudo, adormecida. Quando acordar verá que a Lusofonia já morreu...

A China, por exemplo, está a preparar muitos dos seus melhores quadros para que dominem a língua portuguesa. Fazem-no para conquistar os mercados lusófonos. Nada mais do que isso.

De uma forma geral, todos (mais uns do que outros, importa dizê-lo) continuam à espera que o burro aprenda a viver sem comer. Mas, quando olharem para o lado, vão ver que quando o burro estava quase a saber viver sem comer... morreu.

Acresce que Portugal ainda não percebeu que foi o «pai» mas que os «filhos» já são independentes. Os países africanos ainda não compreenderam que o «pai» errou em muitas coisas mas que não é por isso que deixou de ser «pai».

A Lusofonia, essa realidade que em muito ultrapassa os 250 milhões de cidadãos em todos os cantos do planeta, parece condenada a ser ultrapassada, ou até mesmo aniquilada.

Parafraseando Luís de Camões, em português se canta o peito ilustre lusitano e, na prática, importa recordar que a ele obedeceram Neptuno e Marte. Além disso, importa dizê-lo, manda cessar (se para tal todos os lusófonos tiverem engenho e arte) «tudo o que a Musa antiga canta».

Quando será que, de forma consciente e consistente, Portugal entenderá que «outro valor mais alto se alevanta»? Por culpa (mesmo que inconsciente) dos poucos que não vivem para servir e que, por isso, não servem para viver, continuam os milhões que se entendem em português a comer e calar, amordaçados pela mesquinhez dos que se julgam detentores da verdade.

É claro que, como em tudo na vida, não faltarão os que dirão que não é possível entregar a carta a Garcia. Dirão isso e, ao mesmo tempo, apontarão a valeta mais próxima.

A História do Mundo desmente-os. A História de Portugal desmente-os. Além disso, não custa tentar o impossível, desde logo porque o possível fazemos nós todos os dias. Mas não será com esses que se fará a História da Lusofonia apesar de, reconheço, muitos deles teimarem em flutuar ao sabor de interesses mesquinhos e de causas que só se conjugam na primeira pessoa do singular.

Para mim, para nós, a Lusofonia deveria ser um desígnio nacional. Defender esta tese é, provavelmente, pregar paras os peixes. Mas vale a pena continuar a lutar. Lutar sempre, apesar da indiferença de (quase) todos os que podiam, e deviam, ajudar a Lusofonia. Será desta? Não creio.

Até agora continuam a ser mais os exemplos dos que em vez de privilegiarem a competência preferem a subserviência. Que em vez do português preferem o inglês ou até mesmo o Kalashnikovês.

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