quinta-feira, julho 01, 2010

“A estupidez colonial não morreu”

“A estupidez colonial não morreu”, comenta hoje o jornal Financial Times a propósito do bloqueio pelo Governo português à venda da participação da Portugal Telecom na brasileira Vivo à espanhola Telefónica, aprovada ontem por 76% dos accionistas.

A espanhola Telefónica ofereceu pela compra da participação da empresa portuguesa na Vivo por 7.150 milhões de euros, mas o Estado usou os seus direitos especiais de accionista, através da golden share, para impedir o negócio.

“O governo português usou a sua “golden share” anacrónica e em breve obsoleta para vetar a tentativa de compra da Telefónica”, lê-se hoje na coluna LEX, na última página do jornal, que diariamente comenta e faz análise à actualidade.

O jornal aponta três razões para a decisão do governo português: ou pensa que o negócio seria mau para a PT, ou houve uma zanga nos bastidores ou porque quer manter um “campeão português” no Brasil.

“Todas estas parecem péssimas razões para lançar confusão num negócio e deitar fora a própria credibilidade”, comenta o diário, que também faz notícia do assunto no caderno dedicado às empresas.

Todavia, é na influente coluna escrita pelos editores que critica abertamente o governo português.

O FT considera que os accionistas da PT têm razão para estarem zangados e acredita que o veto não irá manter-se, seja por ilegalidade do uso da “golden share” ou por intervenção da Comissão Europeia.

O jornal lança ainda o desafio a Bruxelas para “aproveitar esta oportunidade para fazer lei”.

Também hoje, no jornal Público, o primeiro-ministro português defende a sua decisão, considerando que “ninguém atropelou os direitos dos accionistas” da Portugal Telecom, com a decisão do Governo de impedir a venda da participação da empresa portuguesa na Vivo à espanhola Telefónica.

“O Governo fez o que devia fazer para defender os interesses estratégicos de Portugal e da Portugal Telecom”, salienta José Sócrates num artigo de opinião publicado hoje no jornal Público.

Tanto quanto parece, a maioria dos accionistas, muitos deles portugueses, têm uma noção diferente do que são os interesses estratégicos de Portugal.

Salientando que a PT “é uma empresa muito importante” para Portugal e a sua participação na Vivo “é um activo estratégico de sucesso no mercado brasileiro”, Sócrates frisa que “a internacionalização da PT e a sua presença no Brasil é absolutamente fundamental para a economia portuguesa”.

Por isso, o chefe do Governo diz compreender “muito bem o interesse dos espanhóis da Telefónica em comprar uma empresa boa como a Vivo” e “os interesses dos accionistas da PT em obterem ganhos de curto prazo”.

“Mas ao Estado Português não compete defender os interesses das empresas espanholas, nem interesses financeiros de curto prazo – mas sim os interesses estratégicos do País. E a verdade é que esta proposta [da Telefónica] não convenceu o Estado, não convenceu o Governo”, refere.

Como diz o FT, a Comissão Europeia anda a dormir nesta matéria e há muito que deveria ter colocado Portugal nos eixos. Recorde-se que, com a mesma estratégia, já em Março de 2007 o Governo português matou a OPA da Sonae sobre a PT.

De facto, há muito que se discute a nível da União Europeia a proibição de os vários países membros de possuírem “golden shares” em empresas, por norma que já pertenceram ao universo público e foram privatizadas.

No caso da Portugal Telecom, o Estado possui uma tranche de apenas 500 acções, chamadas da categoria A, que lhe conferem o poder de eleger um terço do número total de administradores, incluindo o presidente.

Além disso, essas 500 acções permitem ao Governo ter capacidade de veto sobre alterações de estatutos (que limitam a dispersão do capital), aumentos de capital ou emissão de obrigações e outros títulos de crédito.

Os direitos especiais alargam-se, ainda, à definição da estratégia e políticas que a empresa segue, bem como lhe dão uma palavra determinante no que toca à "definição dos princípios gerais de política de participação em sociedades" (compra e venda de empresas).

Entretanto para se ver a eficiência, a neutralidade e aposta na economia de mercado do governo socialista português, registe-se que ele criou em dois anos (até 2007) 23 empresas públicas mais de 35 grupos de trabalho e pelo menos cinco fundações.

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