domingo, junho 05, 2011

Portugal e o MPLA, o MPLA e Portugal

Há de facto nos governantes portugueses, obviamente eleitos, vários tipos de actuação em relação a Angola que não se compreendem.

Não sei, por exemplo, o que levou – sem para isso ter sido solicitado – o presidente da República, Cavaco Silva, a falar de “Angola de Cabinda ao Cunene”, tal como Salazar falava de Portugal do Minho a Timor.

Também não se percebe (a não ser à luz da Oferta Pública de Aquisição de Angola sobre Portugal) o que impele o primeiro-ministro, José Sócrates – espero que este seja o último texto em que me refiro a José Sócrates como primeiro-ministro - , a só ver a face A de Angola.

Será que eles não perceberam que a democracia em Angola só não morreu porque nunca existiu?

É que para existir democracia não basta haver partidos de oposição (Salazar também os admitiu a certa altura), não basta haver comunicação social independente (Salazar também a suportava), em particular se esta está tão condicionada pelo poder que não pode ser ouvida ou lida pelo Povo.

E se o exemplo de António Oliveira Salazar tem todo o cabimento, bastaria ver os exemplos portugueses mais recentes onde, apesar de existir partidos da oposição, onde existe comunicação social (in)dependente... a democracia está cada vez mais doente.

Aliás, um país que tem 20% da sua população com a miséria sentada à mesa de pratos vazios, que tem mais de 800 mil desempregados, que privilegia o primado da subserviência e não o da competência poderá ser tudo menos, creio, uma democracia. Refiro-me, neste caso, a Portugal.

Para haver democracia, dizem os mais elementares ensinamentos, é preciso que o poder não seja exercido por uma só pessoa (a isso chama-se ditadura), é preciso que o poder legislativo seja eleito, é preciso que o poder executivo seja eleito, ou que emane do poder legislativo eleito. E não é isso que se passa. Refiro-me, neste caso, a Angola.

Aliás, desde 1975 que o poder em Angola nunca deixou de ser exercido por uma só pessoa, nunca o poder legislativo foi eleito sem que os angolanos (70% vivem na miséria) “votassem” com a barriga, ou seja, por um saco de fuba, peixe podre, 50 angolares e porrada se refilares.

Em relação a Angola (mais coisa menos coisa poderia ser em Portugal) dir-se-á que para haver democracia é preciso que o poder judicial seja independente, é preciso que o Povo saiba quem elege ou quem não elege. Mas se os angolanos são o Povo, o Povo não sabe quem elege.

Pela nova “Constituição” do MPLA (dizer que é de Angola é o mesmo que dizer que é o povo quem manda na Sonangol), o Presidente da República é o “cabeça de lista” (ou seja o deputado colocado no primeiro lugar da lista), do partido mais votado, eleito pelo círculo nacional nas eleições para a Assembleia Nacional.

De facto, não é uma eleição indirecta, feita pelo parlamento (como acontece por exemplo na República da África do Sul), mas uma vigarice típica dos regimes a quem não basta ser totalitário e a quem Portugal dá toda a cobertura.

Assim, o futuro presidente é o primeiro deputado da lista do partido mais votado, mesmo que esse partido tenha apenas 25% dos votos expressos. Por outras palavras, para ter a certeza de que não vai perder as eleições presidenciais, José Eduardo dos Santos pura e simplesmente acaba com elas.

Pela nova “Constituição do MPLA”, o Presidente de Angola nomeia o Vice-Presidente, todos os juízes do Tribunal Constitucional, todos os juízes do Supremo Tribunal, todos os juízes do Tribunal de Contas, o Procurador-Geral da Republica, o Chefe de Estado Maior das Forças Armadas, os Chefes do Estado Maior dos diversos ramos destas.

Na verdade, tal como Bokassa, Idi Amin ou Mobutu, José Eduardo dos Santos já fazia tudo isso. Mas fazia-o de forma ilegal. Certamente a conselho dos grandes amigos portugueses (alguns, se calhar, são os mesmos que supostamente venderam limpa-neves para Angola), o presidente angolano resolveu a questão de forma definitiva. Tornou legal o que era ilegal.

Sem comentários: