segunda-feira, julho 11, 2011

Nada como ler a imprensa portuguesa!

O meu amigo Eugénio Costa Almeida foi aos arames, está farto de ir e vai continuar a ir, por ter visto no portal da RTP (em Setembro de 2008), que o naufrágio do navio "Le Joola", em que faleceram 1.863 pessoas, em Setembro de 2002, se deu na costa da Zâmbia.

E foi aos arames porque, tanto ele como eu (e se calhar poucos mais haverá) pensávamos que a Zâmbia não tinha costa.

No nosso tempo, a Zâmbia era um país interior de África, limitado a norte pela República Democrática do Congo e pela Tanzânia, a leste pelo Malawi, a sul por Moçambique, Zimbabué e Namíbia e a oeste por Angola.

Acontece que segundo o montador da Lusa (Jornalista não era com certeza, mais hoje até será talvez director ou administrador) que escreveu a notícia reproduzida pela RTP e por muitos outros meios onde o copy-past é a mais recente vocação jornalística, a geografia mudou.

Ficamos, a partir de então, a saber que a Zâmbia tem costa, tal como em tempos ficámos a saber que a terceira causa de morte em Moçambique era a queda de cocos, ou que o Caminho de Ferro de Benguela “liga esta cidade à Luanda Norte, centro de prospecção de diamantes...“

Como disse alguém, nunca é tarde para aprender...

Eu sei que, bem vistas as coisas, esses países ficam lá longe, muito longe. Além disso são habitados por negros, espécie que pelos vistos só conta quando tem petróleo e similares. De qualquer modo, não seria mau (apesar de serem todos negros) dizer que o naufrágio foi um pouco, um pouquinho ao lado da Zâmbia. Foi na Gâmbia.

Mas, de facto, não há nada melhor do que aprender com quem sabe. Há cerca de um ano, a Lusa escrevia: “Em Angola, o Presidente da República Portuguesa vai estar com os empresários que o acompanham na inauguração da Feira Internacional de Luanda (FILDA), onde estão pelo menos mais uma centena de homens de negócios portugueses, e ainda nas viagens ao Lubango (província de Benguela) e a Lobito (província da Huila).”

Dizem-me que, tal como noutros tempos, o Lubango continua a situar-se na Huila e o Lobito em Benguela. Será?

Mas, reconheço, não são só os jornalistas portugueses que reescrevem a geografia angolana. António Mangueira, então director-executivo do Comité Organizador do Campeonato Africano das Nações2010 (COCAN), esteve na em Lisboa em Junho de 2009 e mostrou que quando se junta petulância e ignorância o resultado é explosivo.

O angolano António Mangueira, que fazia então a primeira apresentação da CAN 2010 em Lisboa, lembrou que, “para quem conhece um pouco da história de Angola”, nos tempos dos portugueses “o Lubango era chamado de Nova Lisboa”.

Sem mais nem menos. A António Mangueira só faltou dizer que, se calhar, a cidade do Huambo era chamada para aí (deixa lá ver!) de Sá da Bandeira...

De facto, o bom jornalismo lusitano sempre foi um paradigma de cultura. Em 2003 uma enviada especial do Jornal de Notícias a Moçambique escreveu que a terceira causa de morte naquele país era... a queda de cocos.

Nesse mesmo ano, outro enviado especial - desta vez a Angola - escreveu: «Foi, de resto, a leitura de uma carta dos pais de Savimbi, que residem no Burkina Faso, o momento mais emocionante do congresso, com choros a escutarem-se aqui e ali».

Mandaria o bom senso que o jornalista do JN se lembrasse que, tendo Savimbi 67 anos quando morreu, os pais a estarem vivos teriam (no mínimo) muito perto de 90.

Mandaria a competência profissional que o jornalista soubesse que os pais de Savimbi tinham, na altura, morrido há 30 anos.

Também no dia 19 de Agosto de 2009, o português Diário Digital escrevia que “a Junta Militar que governa a Guiné-Bissau desde o golpe de Estado de 2008 convocou eleições presidenciais para 31 de Janeiro de 2010 e legislativas para 26 de Março”.

Ainda de acordo com o Diário Digital, “o presidente da Junta Militar no poder na Guiné-Bissau, o capitão Moussa Dadis Camara, fez o anúncio das datas, estipuladas por um comité especial integrado por representantes de partidos políticos, sindicatos, da sociedade civil e das Forças Armadas”.

Por último, dizia ainda o Diário Digital, “a Junta Militar liderada por Camara chegou ao poder num golpe de Estado a 23 de Dezembro de 2008, poucas horas depois da morte do então presidente Lansana Conté, que ocupou o cargo durante 24 anos. O capitão Camara pediu ajuda financeira da comunidade internacional para organizar as eleições”.

No contexto da produção em série de textos de linha branca, em que os operários que os fazem trabalham descalços para não terem dificuldade em contar até 12, até se aceita que a Guiné-Bissau seja confundida com a Guiné-Conacri, que Moussa Dadis Camara tivesse feito uma plástica e se parecesse agora com Malam Bacai Sanhá, ou que – por exemplo – Kabiné Komara fosse irmão gémeo de Carlos Gomes Júnior.

De qualquer modo, convenhamos que a um site supostamente informativo escrito também num país de língua oficial portuguesa deveria saber a diferença, apesar da semelhança, entre fazer amor com o José Maria ou com a Maria José.

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