sexta-feira, novembro 25, 2011

Nacionalizar prejuízos, privatizar lucros

Portugal vai pagar à troika (Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional) um montante em juros que equivale a quase metade do dinheiro que o país pode receber ao abrigo dos empréstimos do programa de assistência financeira.

Digam lá que não é um bom negócio para os agiotas?

Revela a Lusa que, segundo dados do Governo, se Portugal utilizar a totalidade dos 78.000 milhões de euros disponibilizados pela troika, o Estado terá de desembolsar 34.400 milhões em juros, ou seja, cerca de 44% do montante do empréstimo. Este valor foi apresentado pelo Ministério das Finanças em resposta a uma questão de um deputado do PCP, Honório Novo

Durante o debate parlamentar do Orçamento Rectificativo para 2011, no final de Outubro, o deputado comunista, eleito pelo círculo do Porto, perguntou: “Quanto é que serão os juros globais desta ajuda? Quanto é que Portugal pagará só em juros para nos levarem pelo mesmo caminho que a Grécia, ao empobrecimento generalizado do país?”.

A resposta do Ministério das Finanças a essa questão refere 34.400 milhões de euros, montante que corresponde ao valor total a pagar ao longo do prazo dos empréstimos e presumindo que Portugal recorre integralmente ao crédito disponível. Ou seja, que “é utilizado na totalidade” o montante destinado às empresas do sector financeiro – os 12 mil milhões de euros reservados para a recapitalização da banca.

Como a preocupação do Governo não é trabalhar para os milhões que têm pouco… ou nada, mas antes para os poucos que têm milhões, pouco importa que os escravos pensem que se está delapidar brutalmente os dinheiros públicos.

Assim, enquanto os escravos pagam as dívidas feitas pelos outros, o BPN é só um exemplo, o Estado penhora o futuro das novas gerações, negando-lhes qualquer possibilidade de nos próximos anos conseguirem a carta de alforria.

Mas, do ponto de vista da casta superior que comanda o regime esclavagista, até nem está nada mal. O Estado, pela via dos seus escravos, assume assim as fraudes e crimes contíguos de banqueiros e outros políticos no caso BPN, e depois de uma vasta operação de branqueamento volta a vendê-lo aos privados amigos que, provavelmente, o compram com o dinheiro roubado ao… BPN.

Como diz o meu amigo Honório Novo (sim, também tenho amigos no PCP), “a ideia dos partidos da troika era e é, muito simples: nacionalizar os prejuízos e privatizar os lucros”.

De facto, o custo acumulado da nacionalização do BPN no défice orçamental será superior ao corte aplicado nos subsídios de férias e Natal dos funcionários públicos e pensionistas.

Calcula-se à luz dos dados conhecidos em 1,3% do Produto Interno Bruto (PIB) o impacto no défice do custo directo da nacionalização do BPN em 2010 e 2011, um valor que supera os 1,2% do PIB de impacto dos cortes nos subsídios de férias e Natal.

Para além do impacto no défice em 2010 e 2011,  os encargos com juros que terão de ser suportados com as sociedades veículo do BPN vão originar custos na ordem dos 323 milhões de euros por ano, o equivalente a 0,2% do PIB de 2012.  Só em 2010, o impacto na dívida pública do BPN foi de 2,2% do PIB em 2010.

E com este cenário só me vem à cabeça o que o impoluto governador do Banco de Portugal disse no dia 27 de Maio de 2009, quando insistiu que a supervisão ao sistema financeiro actuava com métodos e padrões próprios e usados internacionalmente e que não era uma espécie de KGB e FBI juntos.

Na altura, acusando um deputado do Bloco de Esquerda de “equívoco ou ignorância fundamental” sobre o que é a supervisão e o que foi a intervenção do Banco de Portugal no Banco Português de Negócios, Vítor Constâncio disse que a natureza de algumas perguntas formuladas são “com presunções de os supervisores serem uma espécie de KGB e FBI juntos”.

“O supervisor não é um super polícia” com acesso a tudo, disse o governador do Banco de Portugal, mas sim uma entidade que actua segundo métodos e padrões reconhecidos.

Ok. Percebi na altura e continuo a perceber hoje. Então, em vez de supervisor (visão superior à normal), o Banco de Portugal deveria reconhecer que não passou de um simples visor ou, neste caso, um grande retrovisor.

“Não pode ser cometido o erro, para não dizer outra coisa, de se avaliar a actuação por critérios e objectivos que sejam diferentes das práticas internacionais”, indignou-se Vítor Constâncio, recordando que uma análise do Fundo Monetário Internacional mostrara que as práticas do regulador português estavam no grupo das melhores.

É verdade. O melhor médico que conheci (e assim foi considerado por muitos) foi um que sempre tratou da saúde aos que estavam de boa… saúde. Quando alguém estava doente, mandava-os para o hospital.

Constâncio deixou ainda uma interrogação sobre o papel dos revisores oficiais de contas e auditores, dizendo que as situações detectadas no BPN, ainda antes desta situação que levou à nacionalização, “foram todas identificadas pelo Banco de Portugal e não pelos auditores”.

Ou seja. A culpa é dos outros e não é tão grande porque, embora não sendo uma espécie de KGB e FBI juntos, muito menos PIDE ou DGS, o Banco de Portugal conseguiu fazer o papel dos outros. Se calhar esqueceu-se do seu, e como não tinha ponto...

E por alguma razão já em  1802 Thomas Jefferson dizia: “Acredito que as instituições bancárias são mais perigosas para as nossas liberdades do que o levantamento de exércitos. Se o povo alguma vez permitir que bancos privados controlem a emissão da sua moeda, primeiro pela inflação, e depois pela deflação, os bancos e as empresas que crescerão à roda dos bancos despojarão o povo de toda a propriedade até os seus filhos acordarem sem abrigo...”

Era bom (santa ingenuidade a minha) saber quais são os partidos políticos beneficiados nas suas campanhas eleitorais não só em relação ao BPN como a todos os outros bancos e grandes empresas que, por norma, jogam em vários tabuleiros para terem a certeza de que – seja qual for o partido vencedor – ganham sempre.

De uma coisa os portugueses podem ter a certeza. A corrupção, o compadrio, o clientelismo e outras virtudes políticas vão desaparecer num qualquer buraco dos muitos em que se transformou Portugal.

Não sei porquê, mas até estou tentado a pensar que se os bancos fossem sérios e honestos (eu sei que é uma utopia) se calhar muitas das empresas que estão em dificuldade, bem como muitas das que já foram à vida, estariam hoje em boas condições.

Ou será que, para além de lucros milionários, os bancos ainda têm privilégios especiais que os tornam donos e senhores deste reino? Será que os bancos são de facto, de jure seria pedir muito, os donos do país?

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