sexta-feira, novembro 25, 2011

O chefe do posto, os sipaios e os escravos

Há já muitos anos, nas terras do fim do mundo, um chefe do posto virou-se para o sipaio e disse-lhe que precisava de uns tantos voluntários.

Tempos depois chegou o sipaio e disse: Estão lá fora os voluntários… devidamente amarrados.

Nos últimos tempos, sempre que leio alguma coisa dita pelo  presidente da República de Portugal fico com a noção de que ele não passa, como nos seus velhos tempos, de um chefe de posto.

Hoje, Cavaco Silva virou-se para os sipaios da corte e recomendou “uma atenção muito especial” à “agenda da coesão social”, que tem de incluir a repartição equitativa dos sacrifícios e um “diálogo frutuoso” entre Governo, maior partido da oposição e parceiros sociais.

Como até prova em contrário os escravos são culpados de tudo, os sipaios vão dizer ao chefe do posto que não se preocupe porque os voluntários, devidamente amarrados, comem (nem que seja farelo) e calam (nem que seja à base da porrada).

“Esta agenda da coesão social deve merecer uma atenção muito especial porque ela pode exercer uma influência muito decisiva sobre o crescimento económico”, afirmou o chefe (do posto) de Portugal, numa intervenção na abertura do Conselho para a Globalização, iniciativa organizada pela COTEC que decorre em Lisboa.

Apontando as três agendas que os decisores políticos portugueses têm neste momento de conduzir em simultâneo – a da consolidação orçamental, a da coesão social e a do crescimento económico – Cavaco Silva falou sobre cada uma delas, enfatizando a importância da coesão social.

Lembro-me, mais pelos relatos da época do que por uma vivência directa, de que os chefes de posto que levavam (voluntariamente amarrados) os contratados para as roças do café, também falavam de coesão social e crescimento económico do reino que, diziam, se estendia do Minho a Timor.

“A agenda da coesão social visa criar um ambiente social favorável à correcção dos desequilíbrios económicos do nosso país”, sustentou o chefe, pelo que ela não pode deixar de incluir e “de forma muito clara a repartição equitativa dos sacrifícios que são exigidos aos portugueses”, o apoio aos mais desfavorecidos, “em nome da dignidade da pessoa humana” e “um diálogo frutuoso entre Governo e o maior partido da oposição e entre o Governo e os parceiros sociais”.

Tal como noutros tempos, também os chefes do posto falavam da “repartição equitativa dos sacrifícios”, consubstanciada na tese de os escravos ficarem com 99% dos sacrifícios e os seus donos com o restante.

Também falavam, perante o aplauso dos sipaios,  “da dignidade da pessoa humana” dos contratados. E o resultado era peixe podre, fuba podre, panos ruins, 50 angolares e porrada se refilares.

E depois desses discursos, o chefe do posto e o seu clã iam jantar à grande e à francesa, os sipaios ficam com os restos e para o povo sobrava, quando sobrava, um prato de pirão.

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