sexta-feira, junho 01, 2012

E o povo engasga-se com a fome!


O arcebispo de Braga (Portugal), Jorge Ortiga, confessou que quase se engasgou quando hoje tomava o pequeno-almoço e leu que o antigo presidente do BCP, Jardim Gonçalves, recebe uma reforma de cerca de 175 mil euros.

Acredito que o valor provoque uma tal reacção. Mas não é com Jardim Gonçalves que Jorge Ortiga se deve engasgar, a não ser que tenha contas pendentes com o BCP. Embora seja imoral, embora seja dinheiro que em parte também é pago pelos portugueses, é mias um problema dos accionistas do banco.

Jorge Ortiga deveria engasgar-se, isso sim, com os milionários salários dos gestores públicos, e outros similares, que se amamentam à custa dos 20% de portugueses que são pobres e de outros tantos cujo único objectivo de vida é, nesta altura, ter alguma coisa para pôr no prato, nem que seja apenas uma vez por dia.

Deveria engasgar-se com as malfeitorias dos portugueses de primeira do tipo Cavaco Silva, Joaquim Pina Moura, Jorge Coelho, Armando Vara, Manuel Dias Loureiro, Fernando Gomes, António Vitorino, Luís Parreirão, José Penedos, Luís Mira Amaral, António Castro Guerra, Joaquim Ferreira do Amaral, Filipe Baptista, Ascenso Simões, António Mexia, Faria de Oliveira ou Eduardo Catroga.

Deveria engasgar-se com o primeiro-ministro do seu país que   continua a sua luta, com visível êxito,  para colocar Portugal cada vez mais perto do norte… de África.

Em Portugal, para além dos milhões que legitimamente só se preocupam em encontrar alguma coisa para matar a fome, nem que seja nos restos deixados pelos cães dos donos do reino, uma minoria privilegiada só se preocupa em ter – com a preciosa ajuda do Governo - mais e mais, custe o que custar.

Como pessoa de bem que é, Jorge Ortiga ainda é dos poucos que se engasga com estas coisas. Há muito engasgado, continuo a recordar Frei João Domingos que afirma: "não nos podemos calar mesmo que nos custe a vida".

Adaptando de novo, e tantas vezes quantas forem preciso, Frei João Domingos, em Portugal "muitos governantes, gestores, administradores e similares têm grandes carros, numerosas amantes, muita riqueza roubada ao povo, são aparentemente reluzentes mas estão podres por dentro".

Mas esses, apesar de podres por dentro, continuam a viver à grande e à PSD, enquanto o Povo se prepara para morrer de fome ou de falta de assistência médica. O tempo em que o mais importante era resolver os problemas do povo,  já lá vai. Os políticos anteriores preparam o cemitério  e Passos Coelho deu-lhe o golpe de misericórdia.

Tal como muitos dos políticos que passaram pelo reino lusitano, Passos Coelho continua a pensar que Portugal é o seu PSD (que nada tem a ver com o de Francisco Sá Carneiro) e que o PSD é Portugal.

E como pensa assim, o que sobra dos abundantes regabofes dos gestores, administradores e similares pagos com o dinheiro dos portugueses, não vai para os escravos, mas sim para os rafeiros que gravitam sempre junto à manjedoura do poder.

E por que não vai para os pobres?, perguntam vocês, eu também, tal como os milhões de engasgados que todos os dias passam fome. Não vai porque, tanto nas teses de Passos Coelho como nas de Cavaco Silva, ou nas de António Mexia, não há pobres em Portugal.

Aliás, como é que poderia haver fome se (ainda) existe fartura de farelo? Se os porcos comem farelo e não morrem, também o Povo português pode comer. Ou não será assim. D. Jorge Ortiga?

Embora seja um exercício suicida, importa aos (ainda) vivos não se calarem, continuando a denunciar as injustiças, para que Portugal possa novamente abolir o esclavagismo e, dessa forma, ser um dia um país diferente, eventualmente uma nação e quiçá até uma pátria.

O Povo sofre e passa fome. Os países valem, deveriam valer,  pelas pessoas e não pelos mercados, pelas finanças, pela corrupção, pelo compadrio, pelas negociatas.

É por tudo isto que a luta continua. Tem de continuar. Até porque, mais cedo ou mais tarde, a Primavera também vai iluminar (mesmo contra a vontade de António Mexia e da sua EDP) as ruas de Lisboa e chegar ao resto do país.

Enquanto os escravos não se revoltarem, os donos do país e os donos dos donos (do tipo António Mexia)  vão continuar a vestir Hugo Boss ou Ermenegildo Zegna e comprar relógios de ouro Patek Phillipe e Rolex.

E enquanto os escravos se engasgam com a fome, os políticos e os mexiânicos peritos do reino vão continuar a ter à mesa trufas pretas, caranguejos gigantes, cordeiro assado com cogumelos, bolbos de lírio de Inverno, supremos de galinha com espuma de raiz de beterraba e queijos acompanhados de mel e amêndoas caramelizadas, e várias garrafas de Château-Grillet 2005.

Passos Coelho, tal como António Mexia, sabe que os portugueses são – citando Guerra Junqueiro – “um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes de misérias, sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia dum coice, pois que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas”.

Passos Coelho, tal como António Mexia, sabe que os portugueses são – citando Guerra Junqueiro – “um povo em catalepsia ambulante, não se lembrando nem donde vem, nem onde está, nem para onde vai; um povo, enfim, que eu adoro, porque sofre e é bom, e guarda ainda na noite da sua inconsciência como que um lampejo misterioso da alma nacional, reflexo de astro em silêncio escuro de lagoa morta”.

Passos Coelho, tal como António Mexia, sabe que em Portugal existe – citando Guerra Junqueiro – “uma burguesia, cívica e politicamente corrupta até à medula, não discriminando já o bem do mal, sem palavras, sem vergonha, sem carácter, havendo homens que, honrados na vida íntima, descambam na vida pública em pantomineiros e sevandijas, capazes de toda a veniaga e toda a infâmia, da mentira à falsificação, da violência ao roubo, donde provém que na política sucedam, entre a indiferença geral, escândalos monstruosos”.

Passos Coelho, tal como António Mexia, sabe que em Portugal existe – citando Guerra Junqueiro – “um poder legislativo, esfregão de cozinha do executivo; este criado de quarto do moderador; e este, finalmente, tornado absoluto pela abdicação unânime do País”.

Entretanto, alguns portugueses (não tantos quanto o necessário) sabem que – citando Guerra Junqueiro – Portugal tem “partidos sem ideias, sem planos, sem convicções, incapazes, vivendo do mesmo utilitarismo céptico e pervertido, análogos nas palavras, idênticos nos actos, iguais um ao outro como duas metades do mesmo zero, e não se malgando e fundindo, apesar disso, pela razão que alguém deu no parlamento, de não caberem todos duma vez na mesma sala de jantar”.

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