quarta-feira, junho 06, 2012

Respeitem o circo!


Correspondendo ao sentimento de muitos portugueses, o  treinador Manuel José criticou a forma como tem decorrido a preparação de Portugal para o Euro 2012, qualificando-a como "um circo autêntico".

No dia 10 de Fevereiro de 2008, o Presidente da República, Cavaco Silva, defendeu que Portugal tem "outras prioridades" e que já tinha levantado reticências à organização do Campeonato do Mundo de futebol quando era primeiro-ministro.

Mas que chatice. Portugal deveria organizar tudo e mais algumas coisa que respeite a essa transparente, impoluta e dignificante indústria do futebol. Quanto mais não fosse serviria para construir mais uns campos de futebol e para, dessa forma, compensar – por exemplo - o fecho das urgências.

Na altura, Cavaco Silva admitiu que "Portugal está agora mais desenvolvido", embora tenha "outras prioridades nacionais".

Outras prioridades? Que prioridades? Futebol é o que está a dar, mesmo que os estádios estejam às moscas, mesmo que os craques continuem a rematar com “o pé que têm mais à mão…”

"Quando era primeiro-ministro, já o problema da realização de um Mundial de futebol se tinha colocado ao Governo. Na altura, colocámos algumas reticências", explicou o Presidente da República, comentando a possibilidade de Portugal poder candidatar-se à organização do campeonato de 2018.

Creio que Cavaco Silva está (tal como faz no resto) a chutar a bola com o mão errada. Se é uma questão de se saber se Portugal tem recursos, é óbvio que tem. Basta ver o que se poupa com o fecho das urgência e dos serviços de atendimento permanente.

Além disso, num país que já tem a alma pouco sã e no prego, importa fazer tudo para que tenha o corpo inteirinho a chafurdar na merda. E se, a par do fado e de Fátima, é de futebol que o povo gosta, acho que não se pode perder a possibilidade de pôr Portugal no “Guiness Book” como o país com mais estádios de futebol por metro quadrado.

Há, com certeza, quem hoje volte a pensar, ou a dizer, que “só os espíritos cretinos e obtusos pensam que receber um clube numa câmara é sinal de promiscuidade”.

Cada vez mais os camarotes dos estádios dos grandes clubes de futebol são os lugares onde também se vêem mais políticos por metro quadrado.

Tenho dúvidas que todos esses políticos sejam adeptos do futebol e muito menos do desporto, mas o que importa é estar ao lado de um campeão. E consoante muda o campeão mudam-se os panegíricos. Portugal é mesmo assim.

Quando algum político resolve separar o trigo do joio, ou seja o futebol da política, o Carmo e a Trindade ameaçam cair. Não caem mas nasce, e de que maneira, a sarna que põe esses políticos com enorme coceira.

Mas será que, mesmo com os portugueses sem saberem se ainda têm pescoço, vale a pena tentar moralizar o que não é passível de ser moralizado, como é a política e o futebol?

Não, não vale a pena. Olhem para os tais camarotes e ficam a perceber que a promiscuidade é de tal ordem que não se sabe quem é quem, quem representa o quê.

Aliás, como nos recorda a história, foi essa promiscuidade que fez com que o macaco acabasse por “comer” a mãe. Mas hoje nem isso é problema... desde que não se saiba.

De há muito que os portugueses se habituaram a ver os agentes da vida pública todos misturados numa orgia colectiva que, cada vez mais, mostra que a moralidade e a equidistância são valores pouco relevantes para um país que está acostumado a jogar no sistema de todos a monte e fé em Deus.

Para comprovar tudo isso nem é preciso apelar à memória (também ela um valor irrelevante na sociedade), basta de facto – sobretudo em Lisboa e no Porto - olhar todas as semanas para as bancadas VIP dos estádios de futebol.

Políticos pigmeus e pigmeus políticos (entre outros) lá estão, a propósito de tudo e de nada, em bicos de pés para que todos os vejam.

Num país de aparências, que melhor montra poderá querer um qualquer político pigmeu ou um pigmeu político?

Dir-se-ia que, mais uma vez, não basta ser sério. Também é preciso parecê-lo. Mas, infelizmente, algumas das nossas figuras públicas nem são sérias nem parecem sê-lo. Nem estão, acrescente-se, preocupadas com isso.

Se, em matéria de futebol, Portugal tem o que merece, na política também não anda longe. O importante, ao que parece, não é o país real (doente, vilipendiado, maltratado, prostituído) mas, isso sim, tudo o que é marginal e que serve às mil maravilhas para enganar o povo.

Discutir o essencial? Para quê? Sim, para quê se, mais coisa menos coisa, todos ficamos saciados com a discussão do acessório?

É claro, digo eu e mais meia dúzia de cépticos, que os políticos deveriam analisar o essencial, ou sejam as pessoas. Então porque carga de água não o fazem? A minha teoria continua a ser a mesma: Enquanto este país não instituir o primado da competência em vez do da subserviência, não vai lá.

É por isso que os políticos se limitam a ver para que lado vai o fumo dos eléctricos, a idolatrar o futebol e a andar calçados para não se ver que têm as meias rotas. Por alguma coisa são bem coadjuvados por assessores (ou sei que alguns são supostamente jornalistas) que confundem o violino comprado na Feira da Ladra com um Stradivarius.

Entretanto, o Zé povinho continua a pagar as facturas. As facturas do futebol milionário, dos políticos palermas mas igualmente bem pagos, dos capatazes também analfabetos e também razoavelmente bem pagos, etc. etc..

E depois falam de crise. Em crise andam milhares e milhares de portugueses, há muitos, muitos anos. Até um dia, espero eu.

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