quarta-feira, agosto 01, 2012

Vasta comunidade de invertebrados

Embora não seja novidade, estudos recentes revelam que há uma cada vez mais numerosa comunidade de invertebrados numa gruta, ou buraco, que dá pelo nome de… Portugal.

É, obviamente, uma comunidade que até tem um presidente. Sim, é aquele que tem uma reforma que não dá para as despesas, que se assume como “provedor do povo”.

No dia 21 de Janeiro deste ano, o Presidente dessa comunidade,  Aníbal Cavaco Silva, afirmou-se  como o "provedor do povo", garantindo que recebe mensalmente mais de três mil cartas em que os portugueses lhe dão conta das suas incertezas, angústias e ambições.
Ainda há muita gente que, para além de invertebrada, também é ingénua. Aliás, por alguma razão existe um provérbio português que diz: “quando mais me bates mais gosto de ti”.
"O Presidente da República é o provedor das incertezas, das angústias mas também das ambições do nosso povo. O Presidente é, de facto, o provedor do povo", sublinhou nesse dia Cavaco Silva em Vila Nova de Famalicão, acrescentando que tem sempre a preocupação de "dar a todos uma resposta", embora nem sempre seja possível "ajudar a resolver os problemas" que lhe são apresentados.
"Sou presidente do povo. Vim do povo e até ao fim do meu mandato serei Presidente do povo. Não distingo entre a grande cidade, a vila, a freguesia ou a aldeia", acrescentou Cavaco Silva.
Enquanto candidato presidencial, Cavaco Silva disse que se sentia “provedor dos portugueses” e que as críticas que então lhe foram feitas pelo líder parlamentar do PS, Francisco Assis, não mereciam “a mínima resposta”.
Francisco Assis considerou que Cavaco Silva estava a adoptar na sua campanha "uma linha de orientação que não privilegiava a manutenção de um clima de estabilidade institucional".
"O país não precisa de um Presidente da República transformado num provedor universal de todos os descontentamentos, nem tão pouco de um Presidente da República erigido no papel de contra-peso da acção do Governo legítimo do país", criticou Assis.
Não sei porquê, mas até estou tentado a pensar, a continuar a pensar (e esta coisa de pensar só complica), que se os políticos portugueses fossem sérios e honestos (eu sei que é uma utopia, aqui e ali tornada realidade por raras excepções) se calhar o país não teria mais de um milhão e duzentos mil desempregados, 20% de pobres e outros tantos com os pratos vazios.
Recordo-me, por exemplo, que o Presidente da República, o mesmo (ou aproximado) Cavaco Silva, admitiu no final de 2008 que 2009 "iria ser um ano muito difícil" e avisou o Governo que "a verdade é essencial", considerando que "as ilusões pagam-se caras".

Chegou-se a 2010 e a história, pela boca do “provedor do povo e dos portugueses” repetiu-se. Chegou-se a 2011 o disco tocou o mesmo, certamente na senda de uma estratégia de aproximação de Portugal aos países mais desenvolvidos e invertebrados do norte de... África.
Mas difícil para quem? Não é preciso dizer. Nós sabemos. Para os milhões que têm cada vez menos e não, é claro, para os poucos que têm cada vez mais milhões.
"A verdade é essencial". Qual verdade? A verdade do primeiro-ministro, a única possível já que ele é o dono dela, ou a dos portugueses de segunda, a franca e esmagadora maioria?
Na sua mensagem de Ano Novo (2009, recorde-se), Cavaco Silva afirmou não poder esconder a "verdade da situação difícil em que o país se encontrava" e que o caminho para "Portugal sair da quase estagnação económica" era "estreito, mas existia".
Que, a existir, a saída é estreita, que a saída nunca foi larga, todos sabemos. Não venham, contudo, atirar areia à nossa chipala, dizendo que a saída é ainda mais estreita do que realmente é,  ou quando a saída é apenas a porta de entrada para a tal gruta, ou buraco.
Aliás, se para a maioria dos portugueses de segunda é estreita, para os de primeira é uma monumental auto-estrada. Veja-se, por mero exemplo, que a Fundação EDP contratou, por decisão do seu administrador e mui ilustre ex-jornalista Sérgio Figueiredo,  uma funcionária que é sobrinha-neta de Eduardo Catroga, presidente do Conselho Geral e de Supervisão da EDP.
O antigo primeiro-ministro da gruta durante dez anos (o mesmo, ou aproximado, Cavaco Silva) fez nessa mesma altura outros alertas, caso da necessidade de "reduzir a ineficiência e a dependência do exterior em matéria de energia" ou de "rigor e eficiência na utilização dos dinheiros públicos”.
Rigor e eficiência num país que substituiu o primado da competência pelo da subserviência? Rigor e eficiência num país que não tem dúvidas em escolher um invertebrado só porque tem um cartão do partido que está no poder?
Na sua mensagem, Cavaco Silva confessou não dever esconder que 2009 iria “ser um ano muito difícil", e afirmou recear o "agravamento do desemprego e o aumento do risco de pobreza e exclusão social" e admitiu que "a crise financeira internacional apanhou a economia portuguesa com algumas vulnerabilidades sérias".
Pois é. Mas o provedor, seja lá do que for, aí continua. E se ele,  que em termos vitalícios  tem direito mensalmente a 4.152 euros do Banco de Portugal, a 2.328 euros da Universidade Nova de Lisboa e a 2.876 euros de primeiro-ministro, e só foi primeiro-ministro  de 6 de Novembro de 1985 a 28 de Outubro de 1995, e só é presidente desde 22 de Janeiro de 2006,  se queixa, o que dirão os súbditos de sua majestade o “provedor do povo e dos portugueses”?

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